Resenha # 213 : Bem Vindos ao Paraíso

Título: "Bem Vindos ao Paraíso"

Autor: Nicole Dennis Benn

Páginas: 416

Editora: Morro Branco

Ano: 2018

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    Bem Vindos ao Paraíso é um livro que está comigo desde 2018, mas que fiquei enrolando a leitura, enrolando a leitura... até que ele se tornou um encalhado aqui na minha estante! Lembro que comprei esse livro ao ver um vlog de leitura da Pam Gonçalves, na qual ela estava lendo esse livro e falou muito bem dele. Porém, por se tratar de uma leitura mais pesada acabei fiquei esperando a hora certa de ler,  o tempo passou e, como estou com o projeto de ler os encalhados da estante, resolvi que era hora de tirar a poeira dessa bela edição (a diagramação é impecável) e começar a ler. E não vou mentir pra vocês: foi um erro manter esse livro guardado por tanto tempo! É uma obra incrível e acho que Bem Vindos ao Paraíso foi o “encalhado” que mais me surpreendeu nesse projeto!

   O livro tem como cenário um resort luxuoso nas belas praias de areia branca da Jamaica, porém, do outro lado da moeda conhecemos o seu completo oposto: os bairros de periferia que contrastam com o cenário paradisíaco. E assim, conhecemos a história de  Margot, uma mulher que trabalha em um hotel mal administrado, mas apesar de saber que o local não está indo pra frente, ela espera a oportunidade para crescer e ser reconhecida pelo seu esforço. Não é segredo, para nós leitores, que Margot se prostitui para os hóspedes do hotel e considera isso como hora extra. Seu sonho é ver sua irmã mais nova, Thandi, se destacando e salvado a sua família das condições precárias em que vivem, por isso investe todo o dinheiro em sua educação.

   Logo nas primeiras páginas, Margot, expõe o que os homens brancos e americanos querem ao procurá-la: seu corpo. Eles querem explorar o corpo negro e conhecer mais do exotismo jamaicano. Você pode se sentir incomodado ao ler a situação, mas a personagem não se incomoda porque o dinheiro é importante e ela acredita que quando Thandi entrar em uma universidade as coisas irão melhorar.

   Além das duas irmãs, iremos conhecer Delores a mãe delas. Ela é uma pessoa abusiva, que não participa da vida das filhas e que não sabe lidar com os sentimentos delas. Entretanto, no decorrer da história vamos conhecendo melhor sobre o seu passado e entendemos o porquê dessa personalidade tão severa. Ela acabou descontando em Margot tudo aquilo que sofreu e repete o mesmo erro com Thandi.

   Além da prostituição, Margot esconde outros segredos. Ela é apaixonada por uma mulher chamada Verdene que conheceu na infância. Verdene sofre todo tipo de preconceito por ser lésbica e é chamada de bruxa, demônio e tudo aquilo que a ignorância é capaz de causar. É claro que os sentimentos de Margot são correspondidos, contudo, ela não quer que a jovem sofra o mesmo ódio e então vivem um relacionamento escondido.

  Thandi também tem seus segredos e traumas. Ela se esforça para corresponder às expectativas da irmã. Mesmo não sabendo de onde surge o dinheiro para a sua educação e não fazendo ideia do passado de Margot. Ela se sente cobrada por tentar ser uma pessoa que não é. Apesar do seu talento é uma adolescente infeliz e vive aplicando produtos químicos no corpo para tentar clarear a pele.

   Bem Vindos ao Paraíso é narrado em terceira pessoa e a narrativa alterna os pontos de vista das três protagonistas Margot, Delores e Thandi, o que permite ao leitor conhecer a versão e a história mais a fundo de cada uma das mulheres. Confesso, que foi uma leitura difícil e ao mesmo tempo instigante. A autora conseguiu se destacar não só no enredo, mas também na linguagem única. Ela usou diálogos em patoá entre seus personagens e isso fez toda a diferença na leitura.E quando digo que senti dificuldade na leitura, foi por conta dos temas abordados na trama. Houve momentos que eu tive que pausar porque achei a descrição forte a ponto de mexer com o meu psicológico. E mesmo sendo estranho dizer isso, foi bom sentir esse incômodo. Há várias críticas feitas pela a autora, mas a principal é sobre a exploração turística da região de Montego Bay. As condições apresentadas são precárias, as pessoas sobrevivem como podem e dependem de abastecimento e fornecimento de energia irregulares. Não é uma narrativa leve que você encontrará nas 410 páginas do livro. Na verdade, ao fim da leitura, você provavelmente sentirá que levou um soco no estômago, provavelmente sentirá um gosto amargo na boca, e provavelmente fechará os olhos e ficará muito tempo pensando no que acabou de ler. É isso que um livro excelente faz com o leitor.

   Os personagens não são perfeitos, pelo contrário, eles exalam seus defeitos, são seres humanos precários se agarrando a qualquer coisa pra sobreviver! Por mais que tenha sentido certa empatia por Margot e Delores em alguns momentos, principalmente, quando detalhes do passado são revelados, devo admitir que não me afeiçoei por elas, não consegui comprar suas dores, pois, elas erram demais, passam do limite e é capaz de fazer atrocidades quando o assunto é dinheiro. Diante de tantos personagens falhos, a única que me cativou e me deu vontade de abraçar e dizer que tudo vai ficar bem foi Thandi, ela é uma adolescente talentosa, inteligente, cheia de sonhos e desejos, mas que é profundamente triste. Ela paga pra uma vizinha clarear a sua pele, pois acredita que se for mais clara as pessoas irão gostar mais dela (essas são as passagens mais tristes do livro). Seus sonhos são sonhos juvenis que qualquer adolescente teria, mas por ter a responsabilidade nas costas de melhorar a vida da família, por todo mundo se sacrificar por ela, tudo se transforma num fardo e Thandi acaba não sabendo quem realmente ela é. Existem muitos outros personagens em Bem Vindos ao Paraíso, pessoas que demonstram preconceito, racismo, ignorância, intolerância, pessoas que não se importam com ninguém, nem sequer com elas mesmas. Algumas passagens são tão inacreditavelmente bárbaras, que custa acreditar que um lugar assim realmente exista.

   Bem Vindos ao Paraíso foi uma leitura extremamente marcante, um livro com uma serie de questionamento e traz reflexões sobre muitos assuntos, dentre eles o racismo, pedofilia, prostituição, turismo sexual e a homossexualidade. Bem Vindos ao Paraíso é um drama intenso, com personagens no limite do abismo, consumidos pelo preconceito e pelo racismo de onde vivem, com atos de ambição que destroem as pessoas, inclusive as que amam. Uma obra impactante, dolorosa, com um final realista, com a mensagem de que, às vezes, os objetivos deixam a pessoa cega e sem aquilo pelo qual ela achou que lutava. E quando a pessoa consegue enxergar, já é tarde demais. Ou não se importa mais. 

   Enfim, Bem Vindos ao Paraíso foi uma leitura muito marcante e que me fez refletir muito. Classifiquei esse livro lá no Skoob com 5 estrelas, porém seria irresponsabilidade minha indicar esse livro pra todos vocês, pois ele tem vários gatilhos como vocês perceberam pela resenha... Então, o aviso que deixo é: Leiam, mas se preparem para uma leitura forte!